Reflexo (de um anónimo)

Aguardo a hora em que me digam o nome. O meu nome. Próprio. A espera vai ser longa. Escuto as vozes da discussão pela janela. Eles me podem ver. Eu, oiço-os. Os vidros fumados.
Depois da explosão fomos poucos os que ficámos. As nossas caras mudaram. Não nos reconhecemos. Perdemos uns aos outros. Ficamos sem unhas. Sem os dentes molares. As pestanas. Perdemos os relógios. Ganhámos tempo. De nada nos serve. Esperámos em salas como esta. Eles, podem nos ver. Através dos vidros fumados. Aqueles que ainda conseguem, ouvem. Vejo o que resta. Um corpo. Sem roupa. Sem unhas. Sem dentes molares. Sem as pestanas.
Era um dia como outro qualquer. Como este. Mas com roupa. Limpava a cera dos olhos. Escovava os dentes. Cortava as unhas. Uma mulher gritou o meu nome. O espelho partiu. Houve uma explosão. Deixámos de nos reconhocer.
Sonhei-te, 15 anos atrás, muito antes de te conhecer.
Sonhei-te, senti a tua ausência durante 15 anos.
Temos tempo. O tempo chegará. Quando eu tiver nome. O tempo vai chegar. Vai sobrar. Se me chamares, eu vou. Direi que sim. Sem pestanejar.
Silêncio. A discussão terminou. Acabaram-se as palavras. Sobra a minha imagem. Eles conseguem me ver. Através dos vidros fumados. Não me reconheço. Não sei quem é. Esqueci-me o nome. Perdi-o.
O meu nome é o grito que acompanha as tuas lágrimas perdidas.
O meu reflexo, nos vidros fumados, esfuma-se.

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