Lars Von Trier: o "Anticristo"

Rezam as crónicas que após a exibição do filme “Anticristo” de Lars Von Trier à imprensa em Cannes, a indignação, apupos e outras manifestações de desagrado superaram em larga maioria os tímidos e envergonhados aplausos dos poucos que apreciaram o filme. Na conferência de imprensa que se seguiu, Von Trier aparentava um certo grau de nervosismo perante uma imprensa desejosa, por assim dizer, de sangue. Logo a abrir um jornalista britânico entra a matar: “Explique porque fez este filme. Porquê?”. Von Trier, nervoso, respondia que nada tinha de explicar mas perante a insistência do indignado jornalista, acabou por dizer mais ou menos o seguinte: “Vocês é que foram os meus convidados, e não o contrário, por isso nada tenho a explicar. E para mais, sou o melhor cineasta do mundo”.

O filme, com os actores Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg (que levou para casa o prémio de Melhor Actriz do festival), conta-nos a história de um casal traumatizado pela morte do filho, que morreu acidentalmente (ou não) enquanto o casal mantinha relações sexuais. Mas o filme, mais do que nos contar uma história, mostra-nos, sem pudor e obsessivamente, um Lars Von Trier assombrosamente perdido na sua própria depressão e nas suas próprias paranóias. No entanto, “Anticristo” é um grande filme. Dividido em capítulos, o filme é todo um tratado visual e estético, com destaque para o prólogo, uma pequena obra-prima dentro do filme. Von Trier coloca de novo a personagem feminina numa situação limite, mas, ao contrário de “Ondas de Paixão, “Dancer In the Dark” e “Dogville”, por exemplo, a personagem interpretada por Gainsbourg não é uma ingénua e inocente mulher que se sacrifica em actos moralmente condenáveis para proteger os seus mais queridos. Neste filme, a personagem feminina, uma mulher letrada e culta que escrevia uma tese acerca das torturas a que têm sido sujeitas as mulheres ao longo da história , perde o controlo e tenta, de alguma forma, expiar o sentimento de culpa sacrificando o seu próprio corpo e o corpo do seu marido, que representa, no fundo, todos os Homens responsáveis pelas atrocidades cometidas às mulheres (o facto da personagem de Willem Defoe ser um psiquiatra que tenta “curar” e salvar a sua mulher não é inocente).

Se este filme prova alguma coisa, prova exactamente o que Lars Von Trier disse na conferência de imprensa que se seguiu ao visionamento do filme: ele é, provavelmente, senão o melhor, um dos melhores cineastas do mundo. O dinamarquês é um dos poucos cineastas que ainda arrisca com o seu cinema, que explora os seus limites, rompendo formalidades e regras, provocando reacções como aquelas vistas em Cannes. Cada filme seu é uma provocação, uma alfinetada nas consciências adormecidas de alguns espectadores. Sentir indiferença perante um filme deste realizador é coisa de símios e não de humanos.

Por isso, ponham à prova a vossa humanidade e dirigam-se a um bom cinema e vejam este filme, porque, como dizia Flaubert: “a arte, tal como o deus dos judeus, alimenta-se de holocaustos”.

5 comentários:

  1. Fazes bem!!! Logo conta-nos a tua experiencia.

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  2. Confesso que já o tenho, mas ainda não tive coragem de ver. Vi algumas imagens e achei chocante, o chocante talvez não seja a palavra.

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  3. Chocante é bom. Pior é a indiferença. Melhor odiar do que sentir indiferença. E os filmes de Von Trier convidam sempre a sentimentos fortes e opostos.

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